CANTIGO DE ZACARIAS
Estudo do Livro de Lucas 1:67-80
A grande alegria de Zacarias transborda num cântico inspirado (chamado o Benedictus, conforme sua primeira palavra em Latim). Pode ser dividido em quatro estrofes: Ações de graças pelo Messias (68-70), a grande libertação (71-75), a posição de João (76, 77), e a salvação messiânica (78, 79). Farrar fala deste cântico como sendo “a última Profecia da Antiga Dispensação, e a primeira da Nova.” Alguns veem o cântico como sendo primariamente político, enfatizando a conquista dos inimigos de Israel (71, 74), e acrescentam que um cristão no fim do século não teria composto um poema tão judaico. Podemos concordar que há uma mente judaica, mas não deve ser olvidado que a libertação dos inimigos está especificamente relacionado com o servir a Deus (74). O cântico é religioso mais do que político. 67. As palavras de Zacarias devem ser entendidas como resultado da vinda do Espírito Santo sobre ele. São palavras de profecia, palavras que expressam a revelação de Deus. 68-70. Bendito seja o Senhor Deus era uma maneira comum de introduzir ações de graças (cf. Sl 41:13; 72:18; 106:48).
O cântico de Zacarias, portanto, é de ações de graças. Fala primeiramente que Deus visitou (um modo de falar comum no Antigo Testamento, mas somente em Lucas e Hb 2:6 no Novo) e redimiu (i.é, salvou com certo custo; cf. Melinsky, “ libertar’ com um preço alto”). No original, “chifre” era um símbolo de força (como o chifre do boi), de modo que “chifre de salvação” significa plena e poderosa salvação, ou “um poderoso Salvador” (Moffatt). A referência à casa de Davi, seu servo demonstra que Zacarias está cantando acerca do Messias (cf. Sl 132:17). Revela, incidentalmente, que Maria provavelmente tivesse conexões davídicas, pois nesta ocasião Zacarias não poderia ter sabido se José se casaria com ela ou não. A referência aos santos profetas ressalta o propósito divino. Deus está colocando em operação um plano, pensamento este que é ressaltado ainda mais nas referências à Sua misericórdia pelos pais, à santa aliança e ao juramento a Abraão (72-73). 71-75. A salvação que o Messias trará é referida primeiramente como libertação (71), depois, como misericórdia dos pais (não somente dos vivos; cf, v. 17), e depois, em termos da aliança. Há várias alianças no Antigo Testamento, mas aquela com Abraão destaca-se.
O juramento era uma parte relevante de qualquer aliança, e aqui é ressaltado. Deus não voltará atrás naquilo que jurou. A aliança com Abraão será levada à sua consumação. Há um alvo religioso por detrás da libertação dos inimigos. É a fim de que o povo de Deus possa adorá-lo sem temor. Servirá a Ele em santidade (pertencerá a Deus), e justiça (viverá como deve viver o povo de Deus). 76, 77. Poderíamos ter esperado que o cântico de Zacarias dissesse respeito ao seu menino recém-nascido. Surpreendeu-nos ao começar com o Messias que Deus estava para enviar. Mas estava muito contente a respeito de João, e nesta parte do cântico profetiza o futuro da criança. Dirige-se diretamente a ele, e diz que será chamado profeta do Altíssimo. Não tinha havido profeta algum entre os judeus durante séculos, de modo que as palavras não devem ser tomadas de modo calmo demais. João representava uma separação radical daquilo que tinha chegado a ser o costume. E não somente ele seria um profeta, como também prepararia o caminho do Senhor. Seria o precursor do Messias.
Especificamente, contaria às pes¬soas acerca da vinda da salvação no redimi-lo dos seus pecados. Joio não podia salvar os homens. Ninguém poderia. Mas chamaria os homens ao arrependimento e lhes contaria acerca daquele que podia salvá-los. 78, 79. Zacarias termina seu cântico, dando ênfase à salvação vindoura. Viria através da entranhável misericórdia de Deus. A compaixão de Deus é um tema constante no Novo Testamento. O velho sacerdote passa a falar da salvação em termos da luz. O contraste entre a luz e as trevas é natural, mas nem por isso deixa de ser poderoso. É possível entender o Grego como o sol nascente, e ver na expressão um nome incomum para o Messias (assim RSV mg.; cf. Ml 4:2; 2 Pe 1:19; Ap 22:16).
Mas parece mais natural entendê-la como “dia,” ou, melhor, “sol” (anatolè significa o ‘levantar” do sol ou de uma estrela, e, daí, o próprio sol ou estrela), e ver o contraste entre a luz e as trevas (cf. Is 60:1-2). A nota final é a da paz, aquela paz de Deus que acalma os corações dos homens e os torna fortes para viver para Deus. “Não significa meramente o livramento dos problemas; significa tudo quanto contribui para o sumo bem dos homens” (Barclay). 80. A criação de João é descrita de forma muito breve. Muitos aspectos do ensino posterior de João nos relembram de aspectos semelhantes nos Rolos do Mar Morto, Alguns estudiosos indicam que havia essênios que criavam os filhos doutros homens, e sugerem que os pais idosos de João talvez tenham morrido, ou que não podiam criar seu filho sozinhos, de modo que foi criado por alguma seita deste tipo. A ideia é muito hipotética, mas muitas coisas a respeito de João seriam explicadas se realmente tivesse sido criado por alguma seita do deserto, mas que a deixara ao tornar-se adulto. Caird nos lembra, também, que o deserto era “o lar tradicional da inspiração profética.” Lucas talvez queira que vejamos João como um verdadeiro profeta desde o início.